Letícia Silva

Cientista de dados, palestrante, professora e podcaster <3

Não aprendi a dizer adeus.

Depoimentos

Letícia Silva 2021-06-13

Não aprendi a dizer adeus.

Decidi escrever sobre você porque não consigo parar de chorar. Mesmo me derrubando em lágrimas, a dor não cessa. Deve ser essa a tal da ironia da morte: por mais que você faça de tudo, não há nada no mundo que traga a pessoa de volta. E é aí que as lembranças te confortam (ou te atormentam).

Conheci Caadds em 2017, remotamente num grupo do PyLadies. Quer dizer, Caadds não, Caroline Dantas naquela época. Lembro que ela ODIAVA ser chamada de Carol, porque era muito “comum”, todo mundo que tinha “Carol” no nome usava esse apelido. Quando questionei como ela gostaria de ser chamada, me respondeu, sonoramente: Caadds! E assim estava instaurado o notável apelido.

Apresentamos ele a todo mundo na PySE de 2018, evento em que nos encontramos pessoalmente pela primeira vez. Caadds, prestes a fazer 23 anos, me encantou pelo seu jeitinho nada comum. Eu havia encontrado uma das pessoas mais únicas de toda a minha vida, e estabelecemos uma amizade ali, em meio a palestras, workshops e bares de São Paulo.

Tínhamos interesses em comum, sim. Além da Ciência de Dados, queríamos democratizar o acesso das pessoas a materiais que envolviam programação e matemática. Por esse mesmo motivo, nos encontramos em julho do mesmo ano, para sermos tutoras de um worskshop. Minha amizade com a Caadds cada vez se estreitava mais, e eu já estava conhecendo mais sobre ela e ser humor único. Foi nesse dia, por um acaso, que estabelecemos um dos maiores laços dessa amizade: a confiança. Podiam haver n questões que nós discordássemos, mas nunca deixávamos de confiar uma na outra.

Foi exatamente por esse motivo que eu soube em primeira mão que ela iria para a PyBR [14]. Seria a minha primeira conferência nacional de Python, e eu teria uma pessoa incrível para me acompanhar. Lembro de ouvir ela super animada e ansiosa por esse momento, era contagiante! Na hora de apresentar sua palestra, Caadds sumiu. Eu fiquei apavorada e tentei subir no quarto para verificar se ela estava lá, mas veja só, precisava de um cartão de hospedagem no local, que eu não tinha (hehe). Saindo do elevador, encontro ela chegando no saguão. Subiu correndo para pegar o notebook, e quando foi ajustá-lo na sala, o bichinho não funcionava. “Ubuntu não trava”, dizia ela. Tentamos de tudo, e quando repentinamente deu certo, Caadds entrou em pânico. Tinha muita gente na sala, e ela ficou assustada. Lembrava de já ter passado por um episódio daquele, então saí correndo para fora da sala, entrei no restaurante que ficava ao lado do saguão. Comprei uma garrafinha d’água, peguei um copo descartável e voltei para a sala. Olhei pra ela e disse “Você consegue, amiga! Eu tô aqui.” e então, Caadds deu a melhor palestra que eu já pude presenciar dela.

Nessa época também já falávamos sobre o TDAH. Não exatamente sobre isso, pois não sabíamos o que era, mas eu achava que poderia ser autismo ou algo do tipo, por ver algumas semelhanças entre ela e meu irmão, que é autista. Acompanhei boa parte do processo de troca de médico, descoberta e aceitação. Caadds dizia que, depois da descoberta, tudo fazia muito mais sentido, e ela não se sentia uma peixe fora d’água. Haviam pessoas iguais a ela. Foi um dos momentos que a vi mais contemplada com algo.

E eis que aconteceu o caso de racismo. Eu não sei definir isso além de poder usar os termos: preconceito, exposição, passada de pano, crime. Poucas pessoas fora a família viram a Caadds como eu vi. E é tão difícil de definir o cenário porque, apesar de estar perto, eu não passei por o que ela passou. Então o máximo que eu conseguia era dar apoio e tentar ter muita empatia. Ainda assim, não acredito que eu conseguiria passar por 1/3 do que ela passou. Ela enfrentou isso, e deu a volta por cima.

2019, apesar de ser o ano que mais fui para Sp, foi o período em que menos nos vimos. As duas, trabalhando e estudando como loucas, estavam ansiosas por um momento muito especial: a PyBR [15]. Caadds iria, dessa vez sem palestra, para curtir e aproveitar o evento. Mais que isso: chorar muito com o keynote do Felipe, conhecer pessoalmente Carol Willing e Lorena Mesa, duas referências para nós duas, e estar em contato com pessoas maravilhosas. Lembro que, assim como no ano anterior, Caadds me “sequestrou” para termos um momento só nosso. Fomos para o hotel onde ela estava hospedada e ficamos conversando por horas. Também teve o dia em que ela me convenceu a ir no rolê de hetero, também conhecido como Cervejaria Colorado, e andamos por meia hora de Uber até o local. Estava lotado, levamos 20 minutos para entrar, para acabarmos no bar do posto. E foi ótimo! Conheci a tia Irene nesse evento, e ela é maravilhosa inclusive.

Ano passado nos encontramos, pela última vez (por motivos pandêmicos) no dia 15 de fevereiro. A data ficou marcada pois estávamos organizando um evento pelo SciPy São Paulo, que a Caadds havia resolvido tocar sozinha, e me chamou pra ajudar. Vini também estava com a gente nessa. Como não moro na cidade, ela combinou de me pegar na rodoviária às 09:00 horas. Caadds chegou lá por volta das 11h30, e a tia Irene já estava me ligando. Estávamos preocupadas. Mas Caadds estava bem, só um pouco nervosa por causa do trânsito. Pegamos estrada rumo a Lapa, e em diversos momentos em pensei que iria morrer, no sentido literal da palavra. O carro parou de funcionar algumas vezes, quase batemos algumas milhares de vezes também. Foi o rolê mais doido da minha vida. E por incrível que pareça, chegamos vivas no evento, mas o carro não. Ele parou de funcionar de vez do lado de um bloco de marchinhas de carnaval. Melhor que na rodovia, pelo menos.

Caadds chamou o guincho, e estava indignada pois a bateria do carro era nova. Lembro que tentamos vários procedimentos para fazer o automóvel funcionar, mas nada. Até que o técnico chegou e disse: “É, vamos precisar levar para a oficina”, e a Caadds foi junto. Só havia um problema: ela iria palestrar no evento, e não havia ninguém de backup. Até que ela pediu para eu substitui-la. E eu aceitei, pois não poderia negar um pedido dela. Ela me agradeceu e foi junto do carro, e eu fiquei ali para me preparar psicologicamente para palestrar.

Em novembro do mesmo ano, tive uma infecção e hemorragia e fui parar no hospital. Fiquei internada por 4 dias, bem na semana que iria palestrar no Programaria Summit, um dos meus eventos favoritos. Caadds me substituiu, sem eu nem precisar pedir. E brilhou.

Essa são só algumas das aventuras que vivemos juntas. Há muitas outras, como:

- Karaokê da Liberdade;  
- Caadds perguntando se o Will não iria embora da nossa casa (?);  
- Nós com mais um monte de gente na Campus Party, se divertindo horrores;  
- A treta da pizzaria na PyBR [14];  
- Almoço na lanchonete com Alef e Caadds me colocando em maus lençóis;  
- Muito forró;  
- Bares (com nenhuma das duas bebendo);  
- Conselhos;  
- Discussões infinitas entre: Qual é o melhor grupo, Queen ou Beatles? (não há resposta correta);  
- Abraços dados por mim e negados por ela;  
- Inúmeras fotos do combo: meu irmão, sobrinhos dela e Cenourinha;
- Ideias mirabolantes e muita ciência de dados;    
- Demonstrações únicas de amor.  

Você me ensinou muitas coisas, amiga. Talvez, a principal delas foi aprender a receber conselhos. Outra foi saber sobre respeitar limites, entender mais de negritude e TDAH, e descobrir que as pessoas são únicas.

Caadds, por inúmeras vezes, achava que não era querida ou amada. Mas ela era, e muito! Não só por mim, mas muita gente que a cercava e admirava. Espero que ela tivesse essa certeza consigo, e que onde quer que ela esteja, receba todo o amor que está sendo amado.

Você sempre estará em nossos corações. E eu sempre irei lembrar de ti. Você era a minha referência, amiga.

Permitir-se

Pensamentos

Letícia Silva 2020-02-08

Permitir-se.

Você não pode deixar um mecanismo de defesa virar uma armadura. Você merece uma conexão real na sua vida

Eu sempre tive dificuldade de me relacionar amorosamente com as pessoas. Ora porque não me achava boa o bastante, ora porque me sentia feia/gorda/burra. Eu nunca acreditei ser o suficiente para alguém, mesmo me esforçando muito pra isso.

Nunca namorei, mas durante os “rolos” da vida sempre estava ali, presente, para a pessoa. Tentava agradar e ajudar sempre que possível, vivia bancando a psicóloga e pegando os problemas da pessoa pra mim, e nunca sentia que era recíproco. Já teve relacionamento abusivo, que eu era manipulada a acreditar que sempre era a errada da situação, já tentaram me forçar a passar por situações nas quais não me sentia confortável… Era assim: eu tentando salvar os outros enquanto cavava a minha própria cova.

Com o passar do tempo e a repetição do mesmo cenário, fui me cansando. As decepções que viriam não valiam tanto desgaste mental, nem tempo sendo jogado fora. Fui me afastando cada vez mais de qualquer pessoa que fosse um provável problema na minha vida, e me permitindo cada vez menos. Até que parei de acreditar que esse negócio de amor é pra mim.

Chegar a levar essa pauta pra terapia (preciso retomá-la, inclusive). Eu só comentava que não conseguia me ver num relacionamento, mas não explicava o porquê. A psicóloga dizia que eu era muito focada no que eu queria, e que de certa forma, isso me prejudicava em outros âmbitos. Pra quem vivia comigo, o motivo era bem claro: “você já faz coisa demais”. Pra mim, o cenário é bem diferente: nunca me achei digna de ter alguém aqui, do meu lado. E, somando isso a todos os traumas que vivenciei durante esses 22 anos, o sentimento se intensificava. Certas coisas não são pra todo mundo mesmo.

Ontem eu ouvi essa frase: “Você não pode deixar um mecanismo de defesa virar uma armadura. Você merece uma conexão real na sua vida” , e foi como um soco no estômago. Sei que afasto qualquer um que pense em se aproximar de mim com essa intenção, mas até quando eu vou continuar com esse comportamento?

Preciso aceitar e entender que também mereço ser feliz.

O que não te contaram da Python Brasil

Depoimentos

Letícia Silva 2019-10-03

Como um evento mudou a minha vida?

Você já deve ter se feito essa pergunta: Como um momento mudou tanto a sua vida, que você não se lembra de como ela era antes disso ter acontecido? É esse o sentimento que tenho quando lembro da Python Brasil. E vou te contar o porquê.

Sou graduanda em Ciência da Computação, estudante de iniciação científica no INPE e trabalho na Dataside, uma consultoria de banco de dados. Na época só estava no INPE, e isso significa que meu salário se resumia uma bolsa no valor de 400,00 reais. Também pode se resumir em: “Você não vai na Python Brasil, Letícia”, ou “Não é esse ano que o sonho vai rolar :/ “ . Meus pais também não tinham condições de pagar a viagem para mim, e eu já estava começando a desistir.

Foi quando a Campanha do PyLadies na Python Brasil</span> surgiu na minha vida. Eu não sabia muito sobre, mas resolvi me inscrever e entregar as respostas mais inteiras e sinceras possíveis no formulário. Minha inscrição foi feita no último dia que o formulário estava aberto, e preenchê-lo foi como tomar uma decisão muito importante.

Passado um tempo, recebi um email. Descobri que eu havia sido uma das “selecionadas” para a Campanha, e que conforme o financiamento rolasse, eu poderia “estar dentro ou não”, pois a campanha funciona a base de contribuições financeiras, onde os contribuidores recebem uma recompensa em troca, como forma de agradecimento.

Nunca apertei tanto o F5 do teclado quanto nos dias que a campanha rolou. Sério, era um desespero tão, mas tão grande, porque sabia que dependia daquilo para ir na conferência, e outras mulheres também estavam na mesma situação. Lembro quando recebi a notícia de que sim, eu iria na Python Brasil[14]: EU NÃO PARAVA DE GRITAR E CHORAR PELA CASA! (foi emocionante demais, Brasil).

E tiveram outras surpresas no caminho:

  • Só estaria presente NO MAIOR ENCONTRO da comunidade Python da América Latina;
  • Fui aprovada para palestrar na PyLadies BR Conf[1], a primeira conferência nacional (e internacional também, bjs) de PyLadies do Brasil;
  • A palestra era sobre a área que trabalho atualmente e amo muito (Ciência de Dados é amor sim <3);
  • Estaria num estado que nunca fui (e ainda seria no nordeste e teria praia, que é melhor ainda);
  • Teria a oportunidade de conhecer pessoas incríveis e que eu ficava amando e acompanhando pelo Twitter;
  • E ainda poderia falar sobre a iniciativa que mais amo e falo sobre na grade de palestras da Python Brasil[14]. Quer oportunidade melhor que essa, @?

E eu fui pro evento que era, literalmente, dos meus sonhos. Lá eu tive contato com pessoas incríveis, vi coisas maravilhosas acontecendo e pude ajudar a proporcionar algumas delas também, e isso me influencia até hoje. Aconteceram tantas, mas tantas coisas, que se eu fosse escrever tudo aqui o texto seria a nova trilogia do Senhor dos Anéis (rindo de nervoso). Mas eu vou listar, resumidamente, pra você entender:

  • Encontrei o Masanori mais uma vez em outro estado (é engraçado porque moramos na mesma cidade, mas sempre nos encontramos em eventos fora daqui. Eu adoro, porque é motivo pra poder viajar mais, né);
  • Conheci a Judite Cypreste, que era uma das pessoas que eu tinha mais vontade de conversar nessa vida. Era tanta admiração e amor por essa mulher (e ela por mim, mas essa parte não caiu a ficha até agora), que viramos melhores amigas em 2 segundos e hoje participamos de um projeto juntas (e com outras pessoas também!), o Colaboradados, e temos o Coluna7, um podcast sobre Jornalismo de Dados e Ciência de Dados para qualquer um que tenha curiosidade em aprender esses tópicos;
  • Conheci um monte de PyLadies MARAVILHOSAS (eu precisava de um tópico só pra exaltar essas maravilhosidades mesmo, desculpa);
  • Conheci outras pessoas sensacionais também ♥;
  • Arrastei a Ingrid para a Python Brasil comigo, porque ela é minha mãe de comunidades e queria que vivêssemos esse momento ‘juntas & shallow now’;
  • Fui tutora no Django Girls Natal e vi cada história lindaaaa, teve mentorada minha sendo tutora em outros DG’s e eu fiquei orgulhosa demais, pense;

* Fomos um dia pra praia e tinham mais de 70 pessoas num único quiosque (esse dia foi louco!);

  • Quebrei o pé, pra variar, e estrear minha primeira PyBR com estilo. Agradecimento especial ao Ramiro e o Gabriel que foram os anjos que cuidaram de mim e empurraram minha cadeira no aeroporto (essa é a história mais engraçada que eu posso te contar. É sério);
  • Depois disso, fui chamada para várias palestrinhas (e também submeti outras), e comecei a espalhar a palavra da comunidade por outros estados;
  • Pude ver os alunos dos IF’s aprendendo a programar em Python na conferência e essa foi uma das coisas mais lindas do mundo;

  • Abracei muito a dona Aninha que é somente o amor da minha vida todinha (e também é do Colaboradados, YAY);

  • Fiquei hospedada na casa e tive a honra de estar na presença da dona da porr* toda Debora Azevedo;
  • Vivi altas aventuras com a minha princesa Carol. Foi tão importante ter ela na PyBR comigo que nem sei;

  • Fora os milhares de acontecimentos que rolaram entre ter feito amizades que duram até hoje, ensinar uma gringa (saudades, Winnie <3) a dançar funk, rastar a chinela em alguns forrós por terras nataenses e comer o melhor cuscuz desse Brasil todinho.

O meu imenso obrigada a comunidade, a todas as pessoas que contribuíram no Catarse e, principalmente, a todas as mulheres que organizaram essa campanha! Eu nunca estaria tão conectada, conheceria tanta gente e transbordaria de amor por essa comunidade tão linda se não fosse por vocês!

E pra você que chegou até aqui, vou te falar uma coisa: a Campanha do PyLadies terminou ontem, mas se você quiser ajudar outras mulheres a terem experiências como a minha (sem a parte do pé quebrado, por gentileza), faz uma doação no nosso PicPay! É @pyladies.brasil :)

Ajude outras mulheres a terem momentos incríveis e sentirem-se parte de algo ♥